Em nosso entender, existem quatro fatores determinantes da evolução da cirurgia em geral e naturalmente, da Cirurgia Plástica.
São eles: necessidade, aspectos culturais, conhecimento anatômico e sucesso.
A necessidade sempre existiu. Desde a presença do homem na Terra, ocorreu o trauma, a lesão corporal e a patologia cirúrgica. Em determinados momentos ela aumenta, principalmente com as guerras e o aprimoramento de armas capazes de agredir em maior escala, como as armas de fogo a partir do Renascimento e as fabulosas máquinas de guerra do nosso século.
Os aspectos culturais (religiosos, sociais ou políticos) foram importantes, pois eles permitiram ou não, a realização de cirurgia, facilitando ou dificultando se desenvolvimento. Também possibilitaram ou impediram o avanço dos estudos anatômicos.
O conhecimento anatômico foi condição vital para o avanço da cirurgia, pois conhecendo o corpo humano adequadamente, o médico teve possibilidade de atuar nele com menor probabilidade de erro. Os estudos anatômicos estiveram presentes em algumas culturas, é bem verdade, como na Índia do segundo milênio a.C., mas é a partir do Renascimento, no século XVI, que tomaram impulso definitivo, principalmente, com Leonardo da Vinci e Andreas Vesalius, este, com sua obra “De Humani Corporis Fabrica”, publicada em 1543, marco inicial da anatomia moderna.
O sucesso foi a condição que fez com que a cirurgia passasse a ser vista como um meio de tratamento e não mais como última alternativa. Foi ele que possibilitou a visão mais natural do procedimento principalmente por parte do paciente e da sociedade. Ele vai estar presente em percentual maior a partir dos estudos de Pasteur em meados do século passado e com a anti-sepsia cirúrgica idealizada por Lister em 1865.
Antes desse período, o insucesso, em grande parte das vezes com óbito do paciente, era freqüente. Cabe lembrar, todavia, que a Cirurgia Plástica, neste ponto levou vantagem, pois atuando em superfície e em órgãos com boa irrigação e conseqüentemente boa defesa, oferecia menor risco ao paciente.
Com base nessa premissa, fica fácil compreender a evolução da Cirurgia Plástica.
Em culturas como a babilônica, assíria e egípcia realizavam-se cirurgias, entretanto, havia penalidades para o insucesso. O rei Hamurabi da Babilônia formulou o primeiro código de leis da história das civilizações por volta de 1750 ªC. e nele regulamentava tudo, inclusive a atividade médica com castigos que variavam desde lesões corporais até a morte do cirurgião quando este falhava.
Nessas sociedades, as dissecções anatômicas não eram permitidas.
Contudo, o papiro de Edwin Smith (aprox. 2500 a.C.) é como que um “manual de cirurgia” fazendo referência a tratamento de fraturas mandibulares, nasais, cranianas, entre outros procedimentos cirúrgicos no Egito antigo.
Na Índia e China a cirurgia floresceu por volta do segundo milênio a.C. Na Índia principalmente, onde eram permitidas dissecções anatômicas e onde muitas tribos realizavam mutilações para estigmatizar os vencidos ou adúlteros como amputações nasais, auriculares e mesmo genitais, a cirurgia teve campo para desenvolver-se.
Sushruta, o mais famoso cirurgião indu, deixou em seu livro orientação para o preparo e dissecção de cadáveres assim como descrição de instrumentos e técnicas cirúrgicas, entre elas, a reconstrução nasal por retalho frontal, conhecida como retalho indiano e tida como a mais antiga referência escrita da especialidade.
Sushruta, o mais famoso cirurgião indu, deixou em seu livro orientação para o preparo e dissecção de cadáveres assim como descrição de instrumentos e técnicas cirúrgicas, entre elas, a reconstrução nasal por retalho frontal, conhecida como retalho indiano e tida como a mais antiga referência escrita da especialidade.
No quinto século a.C. com o aparecimento de Buda na Índia, Lao Tse e Confúcio na China, com novos conceitos religiosos e filosóficos humanitaristas preconizando a preservação do corpo sem alterações para a vida pós-morte, a cirurgia declinou.
Na Grécia a medicina ganha o racionalismo e a ética. A religião não permitia dissecções anatômicas em cadáveres humanos, mas dissecavam-se animais. Hipócrates (século V a.C.) deixou descrições de inúmeros procedimentos relativos à Cirurgia Plástica como enfaixamentos, cuidados com a estética de curativos, e até mesmo preocupou-se com a calvície.
No século IV a.C., sob domínio macedônio, ocorre um fato interessante. Após a morte de Alexandre Magno em 323 a.C., aos 33 anos, vitimado por malária, o império dividiu-se entre seus generais. A Ptolomeu Soter coube o Egito e ele como governante permitia dissecções humanas “in vivo” nos indivíduos condenados à morte. Assim a medicina nesse período progrediu na anatomia e fisiologia, salientando-se nomes como Erasistrato, tido como o pai da fisiologia e Herófilo. Conseqüentemente a cirurgia da Escola de Alexandria foi desenvolvida.
Em Roma, as dissecções anatômicas também não eram permitidas pela religião mas como na Grécia, de quem ela absorveu também o conhecimento científico, dissecavam-se animais.
Celsus (século I d.C.) deixou inúmeras referências à cirurgia e à Cirurgia Plástica como realização de retalhos de pele, sutura e reconstruções nasais, auriculares e labiais em seu livro “De Re Medica” (Da medicina).
Galeno (século II d.C.) fez experimentos em animais, principalmente macacos, realizou também cirurgias reconstrutivas, tendo sido o mais famoso médico da Roma antiga.
A partir do V século com a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.) a Europa mergulha em um caso social agravado por sucessivas invasões bárbaras. Guerreiros mais poderosos organizavam um feudo cercado por muralhas e ofereciam proteção aos menos favorecidos que se tornavam seus vassalos.
A religião passou a assumir todo o poder comi que em um retrocesso aos primórdios das civilizações. Assim, o interesse pela medicina e cirurgia declinou pois os problemas do homem podiam ser resolvidos só e tão somente pela religião.
Por um período de quase dez séculos o pensamento científico ficou praticamente estagnado restrito aos escritos deixados por Galeno e Hipócrates que foram guardados por monges nos mosteiros, principalmente Beneditinos.
Vale lembrar a presença dos árabes na Europa que lá estiveram por 700 anos e que tiveram o mérito de não destruir, ao contrário, guardar, estudar e enriquecer os conhecimentos hipocráticos e galênicos. Eles deram grande avanço à farmacologia, mas o corão não permitia a cirurgia, salvo em casos especiais.
Acredita-se, todavia, que por meio de sua ponte cultural, conhecimentos orientais, indús, passaram para o Ocidente.
No final da Idade Média havia médicos secretistas, ou seja, que guardavam o conhecimento de pai para filho e que realizavam reconstruções nasais. A mais famosa família secredista foi a dos Branca no Sul da Itália.
Por volta do século IX, à sombra dos mosteiros começam a nascer nas novas escolas médicas (Salerno, Montpelier) e pouco mais tarde as Universidades (Bologna, Pádua, etc....) e de maneira sigilosa iniciam-se dissecções anatômicas até que o Papa Sixto V as autorizasse em meados do século XVI.
Neste momento estamos em pleno Renascimento, os estudos anatômicos autorizados pela Igreja propiciam o avanço da medicina.
A invenção da imprensa pouco antes, faz com que o pensamento científico seja divulgado e a ciência acorda de um sono de quase mil anos.
A Cirurgia Plástica tem seu grande e novo impulso com o trabalho de Gaspare Tagliacozzi publicado em 1597 descrevendo reconstruções nasais, auriculares e labiais com transplante pediculado de membro superior, conhecido como retalho italiano.
A necessidade de reparações aumenta com o uso crescente das armas de fogo.
Ainda no século XVI, Ambroise Parré dá impulso à cirurgia propondo entre outras coisas, novas formas de tratamento para os ferimentos, praticando a ligadura das artérias em substituição à cauterização por azeite fervente como já fazia Giovanni de Vigo, foi ainda pioneiro nos processos de desarticulação do cotovelo e descreveu várias próteses braquias e faciais em “Dez livros de cirurgia” em 1564.
No século XVII salienta-se o tratamento das amputações e a proposta de James Yonge, cirurgião naval, fazendo retalhos de pele e músculo em substituição ao tradicional método circular nas amputações. Richard Wiseman descreveu múltiplos traumatismos faciais em seu livro “Several chirurgical treatises” em 1676.
No século XVIII o Ocidente toma conhecimento, por publicação, o retalho indiano, através do “Magazine of Gentleman”. Neste século a realização do retalho frontal popularizou-se na Europa e Estados Unidos.
No século XIX a cirurgia dá maior passo da sua história com a descoberta da anestesia geral em 1846 por Willian T.G. Morton, e da anti-sepsia por Lister em 1865. Neste momento o interesse dos cirurgiões volta-se para o que até então era mais difícil de ser tocado, a cavidade abdominal. A anestesia aumenta a possibilidade e a anti-sepsia a margem do êxito.
Nesse século a Cirurgia Plástica não teve o mesmo avanço da cirurgia geral, mas salienta-se pela descrição de transplantes livres de pele (Reverdin, Ollier, Thiersch, Wolfe, Krause) a partir de 1869, de gordura (Neuber, 1893) e de dígitos (Nicoladone, 1898).
Finalmente chegamos ao século XX que logo ao seu início vive um conflito mundial com armas jamais utilizadas na história da humanidade, deixando um saldo inusitado de mortos e mais de doze milhões de feridos, entre estes, muitos mutilados faciais.
Constata-se, então a necessidade de formar profissionais dirigidos para as reparações corporais. Assim, a partir da I guerra mundial, a Cirurgia Plástica oficializa-se como especialidade médica, sendo um de seus impulsores sir Harold Gillies, neo-zelandês, que na Inglaterra muito fez pela Cirurgia Plástica trabalhando com mutilados da guerra.
A existência de especialistas, a necessidade crescente, a anatomia dominada e o sucesso consolidado somam-se às mudanças socioculturais a partir da década de vinte, com a posição mais independente da mulher e a maior exposição corporal, pois enquanto antes, era apreciável a pele alva para não se parecer com um camponês, com a revolução industrial os trabalhadores internam-se nas fábricas passando eles a ter a pele clara, assim, como diferenciação, a cútis bronzeada passou a ser conceito de beleza. A cirurgia estética então avança a passos largos, incorporando-se à sociedade como recurso dos mais utilizados para obtenção de uma das finalidades primaciais da medicina: o bem estar do ser humano.
(O texto está no livro "O Alcance Atual da Cirurgia Plástica", Martire LJr., editora Astúrias, 2005)
Fonte: Sociedade Brasileira de História da Medicina
1 diagnósticos:
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- David
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